quinta-feira

A Escola Primária Do Meu Tempo


Entrei para a escola primária no ano de 1983. A estimada escolinha ficava na povoação vizinha – Vila da Ribeira. A actividade lectiva, se não me falha a memória, tinha início pelas 9 horas e terminava por volta das 16 horas.
A revolução dos cravos tinha acontecido há 9 anos e ainda estava enraizada a tríplice da educação nacional de Salazar: Deus, Pátria e Família.
O trajecto, da nossa aldeia até à escola, era feito a pé. Desciam os colegas do cimo do povo, rua abaixo, parando aqui e acolá, para irmos todos juntos, como que em romaria, até ao nosso sítio de aprendizagem. Saíamos porta fora com a sacola nas mãos ou às costas, preenchida com os livros, um caderno de linhas, uma sebenta e um estojo, semi - vazio, com apenas um lápis, uma esferográfica, uma borracha e uma afia. Levávamos ainda o saco do farnel para o nosso almoço.
Os nossos pais ficavam tranquilos com a nossa ida para a escola. Não se preocupavam com raptos ou eventuais atropelamentos, visto que, o trânsito que circulava na estrada de Duas Igrejas – Vila da Ribeira era tão escasso, que quase de certeza não sofríamos esse risco. A palavra pedofilia não era divulgada por estas bandas. As únicas pessoas estranhas que por aqui passavam eram, às vezes, as testemunhas de Jeová para tentarem nos converter; algum mendigo a pedir, de porta em porta, géneros alimentícios e os vendedores ambulantes. Até com esta gente se partilhava alguma amizade.
Assim que a senhora professora abria a porta da sala de aula, vinha de lá um cheirinho a livros, novos e usados, guardados no armário; a pó de giz e à essência daquelas crianças que davam vida àquele espaço… Um aroma tão característico e tão único, que ainda hoje sinto saudades!
Iniciávamos o dia de labuta com uma oração a Nosso Senhor Jesus Cristo, num crucifixo, que se encontrava pendurado por cima do quadro. Esta Imagem Sagrada mostrava-nos o quanto a nossa cruz ia ser pesada nesse dia! Após este gesto de louvor, começávamos as nossas tarefas árduas, acompanhadas de umas reguadas na não execução dos problemas de matemática e um puxão de orelhas nos erros na gramática de língua portuguesa. Também estes gestos, pouco simpáticos, faziam parte da nossa aprendizagem. As tabuadas, obrigatoriamente, tinham que se saber na ponta da língua. A conquista dos Mouros, os Reis de Portugal, a Batalha de Aljubarrota tinha que ficar registado nas nossas memórias, por longo prazo. Os erros ortográficos faziam a régua, encostada ao quadro, girar sobre aqueles que tinham a infeliz sorte de não saber escrever correctamente.
Tínhamos quase uma hora de almoço. Este período de tempo era dividido entre umas trincas no pão que levávamos para saciar o corpo e muita brincadeira. Muitas vezes, entre nós, fazíamos troca das sandes, caso para dizer que “a galinha da vizinha é melhor que a minha”!
A única pessoa adulta na escola era a senhora professora e nem por isso, no recreio, vandalizávamos o espaço envolvente. De vez em quando lá acontecia um chuto de uma bola mais forte que, por azar, acertava na janela da sala de aula. Ao infeliz que lhe acontecesse isso, já sabia o que lhe esperava; umas reguadas da docente, uns valentes açoites dos pais e, para prejuízo destes, tinham que desembolsar uns escudos para pagar o respectivo vidro.
Nunca me lembro de ouvir dizer que existiam crianças hiperactivas, utiliza-se outro termo: “crianças vivas”; também não me lembro de alguma vez ter colegas traumatizados, por isto ou por aquilo…
Após a jornada escolar regressávamos a casa felizes, apesar de alguns de nós levar o rabo e mãos doridas e, ainda, as orelhas um pouco vermelhas dos toques, pouco delicados, da senhora professora! É claro que estas situações nunca eram motivo de queixa aos nossos pais, visto que, se isto acontecesse seríamos mais uma vez sacudidos com uma vergasta! Então, para que isto não sucedesse, mais valia fazer de contas que o nosso dia tinha sido maravilhoso!
Todos os dias tínhamos os deveres da escola (não me lembro bem se tinha  direitos !!!) para fazer.
Sempre que sobrava um tempinho íamos até ao Soito da Capela, local de muita brincadeira, entre todas as crianças da aldeia. Tínhamos diversões muito singelas: jogar à bola, ao berlinde, ao pião, às escondidas, etc. Enfim, os nossos divertimentos eram muito saudáveis e com muito movimento corporal. Os momentos de lazer terminavam, com muita pena nossa, quando os nossos pais pronunciavam, em voz bem alta, os nossos nomes. Tínhamos que voltar para o seio da nossa família. Aqui eram-nos ensinados os valores mais nobres que o ser humano pode adquirir para ter uma convivência digna em sociedade.
Estas lembranças fazem renascer do meu coração muita ternura e muita saudade dos meus quatro anos passados na minha primeira escola da vida.

Sónia Ferreira

2 comentários:

Anónimo disse...

ola sonia!!!!!!!!!!!!!!!!!!!eu tambem por la passei, a nossa escola... um grande abraco para todos que por la passaram. ana

Anónimo disse...

Já passaram alguns anitos, poucos.
Iamos sempre a caminhar pela estrada fora, estivesse frio, neve, chuva, trovoada, nada nos retia em casa.
Ainda me lembro das brincadeiras nos intervalos, iamos para o escorrega na pedra enorme que estava na mata, o banco de pedra, tantos jogos...
A minha merenda geralmente era trocada com a tua amiga, queriamos variar na ementa hehehehe.
Agora tenho pena que a escola esteja abandonada.
Continuação de um excelente ano.

E.Chaves