A jugada de Ferreira de Aves
Apontei na crónica do mês passado que o foral de Ferreira de Aves pode ter sido concedido um ano depois do foral de Sátão, sendo para mim evidente que parte da justificação da sua outorga se encontra na confirmação de uma jugada mais favorável, que a do vizinho concelho de Sátão.
Diz o foral de Ferreira que «quem lavrar com um boi pague três sesteiros e com dois bois pague três quartários terciados pela medida de Linhares e quem mais bois utilizar não pague mais».
Vou explicar. O trabalho do boi como auxiliar na lavoura era precioso, pelo que todos os agricultores envidavam esforços para manter um ou dois exemplares para puxar o arado. A jugada era então o tributo direto pago pelos peões ou jugadeiros que tinham bois para lavrar. Os peões eram afinal os pilares da economia local, eles que amanhavam e povoavam a terra. O pagamento da jugada era feito em cereais, não havendo, no foral, uma única referência à utilizaç
ão de moeda. Sabemos hoje que, para unidade de medida dos cereais, o conde D. Henrique procurou generalizar ao condado portucalense o uso de um moio equivalente à carga cavalar, estimada em 220 litros. Num cálculo aproximado, o peso de um moio seria cerca de 160 kg, dependendo do tipo e da qualidade dos cereais. Um moio subdividia-se em quatro quarteiros ou seis sesteiros. Assim, um quarteiro seriam 40 kg de cereal e um sesteiro cerca de 27 kg de cereal. Deste modo, quem lavrasse com um boi pagaria cerca de 80 kg de cereal e com uma junta de bois pagaria perto de 120 kg de cereal. Esta jugada é a mesma do foral de Tavares, que lhe teria servido de modelo. Creio mesmo que a referência à medida de Linhares, que se lê no foral, pode ser uma má leitura de Tavares, feita pelo escriva do séc. XIII que executou a cópia do foral de Ferreira de Aves que chegou aos nossos dias. Diz-nos o foral que o tributo era terciado, ou seja, composto em partes iguais por três cereais, não estando explicitamente nomeado no foral de Ferreira de Aves quais eram esses cereais. Por sorte, dispomos de um registo do Mosteiro de Lorvão, efetuado no século XII, que assentou a produção em cereais da sua herdade em Águas Boas informando que esta rendeu 1000 kg de trigo, 750 kg de centeio, 750 kg de milho e que a cevada era pouca. Daqui podemos deduzir que os três cereais implícitos no foral seriam, pois, o trigo, o centeio e o milho. Estes cereais desempenhariam um papel importante na alimentação humana. O pão era o alimento por excelência, servindo de acompanhamento à carne de criação ou de caça e aos peixes dos rios que banham o concelho.
Abel Estefânio
economista
aestefanio@hotmail.com
Abel Estefânio
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