sexta-feira

Nossa senhora da Lapa

Aqui tão perto, provavelmente ainda um local de culto desconhecido de muitos de nós, vale a pena uma visita, um lugar de carisma cultural, bonito e bem tratado.
O Santuário, que abrigou na capela-mor, onde pontificava o altar do Menino Jesus da Lapa, o rochedo milagroso com a imagem da Senhora que seduzia cativamente os homens e as mulheres de crença inabalável, começou a atrair os peregrinos em vários momentos do ano, que se deslocavam em romaria para impetrar graças, obter a propiação pelas faltas humanas, agradecer os favores do Altíssimo, umas vezes em jeito pessoal e muitas vezes em convénio colectivo. De facto, as pessoas e as famílias eram torturadas pelos malefícios da doença, do azar ou da má sorte; e os povos, pelos efeitos das pestes e pragas que lhes devastavam as culturas, os animais ou os parentes, os benfeitores, os vizinhos e os amigos.
                            
                          
Assim debaixo da rocha, que forma a gruta onde apareceu a imagem de Nossa Senhora, está o altar da Senhora da Lapa, ladeando irregular e estreita passagem que vai dar ao presépio, de centenas de figurinhas, obra da escola de Machado de Castro. É crença supersticiosa que quem tiver a alma atafulhada de pecados não consegue passar naquele angusto canal granítico. O altar deixa ver um painel de prata e os mármores de Carrara. A servir de altar-mor fica o altar do Menino Jesus, revestido de trajes napoleónicos, aferrolhado por forte gradeamento de ferro e ladeado por quadros de D. Josefa de Óbidos. Também, sob pequena estátua da Mater Dolorosa se divisa o mais pequeno mas significativo altar da Senhora da Boa Morte, rodeada por compungido apostolado.
             
A aludida capela do Santíssimo, jazigo da família do primeiro Conde da Lapa, tem um rico altar de talha joaninha e forma um espaço convidativo para a reflecção.
É notável a cenografia de que se revestem os altares laterais do corpo da igreja, como se pode examinar:
Junto do arco-cruzeiro, do lado da Epístola, vê-se o altar de Stº António, em que a Virgem, sob uma nuvem circundada de anjos, lhe entrega o Menino, com a indicação de um anjo  a relembrar a frase joânica do Evangelho: “Eis a Tua Mãe”! Do lado do Evangelho, temos o altar da Crucifixão ou do Calvário, em que o Senhor, expirado há momentos, é trespassado no lado esquerdo pela lança do soldado romano Longuinhos, na presença de outros que se entretêm repartindo entre si as vestes do Crucificado e jogando os dados da sorte sobre a sua túnica inconsútil, a ver a quem viria a pertencer. O altar de S. José representa a passagem deste homem, que após o cumprimento da sua discreta mas insubstituível missão, recebe a coroa da justiça, cuja descida é determinada pelo anjo do tempo. Entretanto, o Pai Celeste prepara-se para acolher no Reino Eterno este homem justo que passou pelo mundo como brisa inefável. Resta o Altar da Senhora da Soledade, em que a Virgem, aos pés da cruz, contempla os instrumentos da Paixão; e o corpo do Senhor está sepultado perante a Senhora lacrimosa ao pé de João Evangelista, José de Arimateia, Nicodemos e as santas mulheres.
Por detrás da capela-mor e no compartimento que rodeia a lapa, era a Casa do Peso, assim chamada por nela estarem as balanças aonde as pessoas se dirigiam para as próprias pesagens, com vista à futura entrega do mesmo peso em trigo em cumprimento da promessa deste teor à Senhora. Pode ver-se lá suspenso o grande caimão, um gigantesco ex-voto que testeminha o lendário milagre da mulher, das redondezas ou das bandas do Oriente, que, aflita, se chamou à Senhora, que lhe teráinspirado o arremesso do novelos para que, havendo-os engolido, ficasse engasgado e a mulher fosse liberta do perigo.
                                          
Tesouros sem conto, peso e medida aqui espelham a generosidade ou o brio de crentes anónomos ou grados, gente simples ou homens cultos, populares ou nobres, clérigos ou altas personalidades das casas reais. De notar são essas generosidades que foram criando e avolumando o rico espólio de paramentos de pratas que enxorna de modo excelente o tesouro da Fábrica do Santuário.
Na sacristia pode apreciar-se belo paramenteiro e seis ex-votos em pedrelas de notável interesse e acentuado valor. Muitos outros quadrinhos há aqui como no concelho, a atestar a devoção e as graças que inpenderam sobre as necessidades e orações dos crentes, nos finais do século XVIII, um pouco por todo o século XIX e ainda pelo século passado.
                                                
A igreja, vista do exterior ostenta uma frontaria com o triângulo pretensamente apoiado em duas colunas embutidas no muro frontal; e, à cabeceira, por detrás do passadiço que dá para o colégio, o campanário com os dois sinos que encarrega de dar as horas e de chamar os devotos para os ofícios culturais.
No fraguedo que medeia entre a cabeceira da Igreja e o caminho que dá para a zona das lavadeiras, junto a lenteiras e hortas, onde borbula uma das fontes nascentes do Vouga, estão três cruzeiros graníticos, qual remate de via sacra de rua a constituir um calvário rural, aí do século XVIII. A onda destruidora que às vezes passa por estes lugares fizera desaparecer os braços das cruzes. A Câmara Municipal, quando procedeu às obras de saneamento básico e de beneficiação dos arruamentos da Lapa e envolvente do Santuário repôs a integridade das cruzes.

                             
                                           

Edição Câmara Municipal de Sernancelhe 2002

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