sexta-feira

A matança do porco

No dia da matança do porco era uma alegria para nós, putos da aldeia, tudo começava bem cedo, de madrugada, lançava-se um laço ao focinho do porco, coitado era vê-lo sofrer! Amarrava-se o porco ao touco do carro das vacas, os homens seguravam nas patas e o matador encarregava-se de lhe espetar a faca no pescoço até sair o sangue todo, o qual caía para um alguidar, em que uma mulher ia sempre mexendo, para não coalhar. Esse sangue, era aproveitado para fazer morcelas, sarrabulho e também juntava-se a batatas cozidas do dia anterior, na frigideira, com sal azeite e alho, que prato… Depois do porco já morto, tínhamos de lhe queimar todos os pêlos, espalhávamos-lhe uma faixa de palha por cima dele, lançávamos-lhe o fogo até queimar toda a pelagem, depois dessa operação era-lhe tirada toda a sujidade do corpo, lavá-lo, muito bem, esfregado com água e raspando com pedras, até sair toda a sujidade provocada pela queima, um valente banho.
Depois vinha a melhor parte, o petisco, o porco era pendurado para secar (dizia-se), era-lhe retirado uma parte da barriga, o fígado, todos os intestinos, (as tripas) que, por sua vez, de seguida tinham de ser lavados no ribeiro, para fazer os enchidos (chouriços), com a barriga e o fígado, tudo cortado aos bocados, fazia-se uma fritada na banha de porco do ano anterior, acompanhado com pão de milho e um tintinho, que petisco. Dois dias depois, vinham os torresmos ao jantar, à tarde desmanchava-se o porco, com algumas aparas e boa carne, fazia-se um arroz de miudezas, carne frita com batatas cozidas, um jantar para toda a família… delicioso! Presuntos para um lado, pás para o outro, tiravam-se os lombos para os salpicões, um tacho com carne em vinha-d’alhos e faziam-se os enchidos, que se penduravam à volta da cozinha para ‘fumarem’ os presuntos, e o resto da carne ia para a salgadeira, uma tradição que teima em desaparecer, essencialmente pelos mais idosos.

Hoje menos, é verdade, fruto das contingências da vida moderna, imposições e regras vindas da Europa, tendem a submergir e a desagregar a acção identitária comunitária. Ainda resistimos, sabe-se lá por quanto tempo. E a matança do porco como espaço social faz parte da nossa riqueza patrimonial.

Sem comentários: