sexta-feira

Ainda há liberdade?



Está cara a liberdade de expressão!
 

“Os políticos devem ouvir a voz do povo”
(Cavaco Silva, jornal espanhol “Expansión”, Outubro de 2012)

“Nenhum político está acima nem da lei nem da crítica”
(Paula Teixeira da Cruz, ministra da Justiça, Outubro de 2012)



Em Junho de 2010, sob o título “Descubra as diferenças”, publiquei neste jornal, na minha habitual coluna de Opinião, um artigo onde procurei comparar a actividade exercida entre a Junta de Freguesia de Ferreira de Aves e o mesmo órgão autárquico de Odivelas.

Fi-lo no exercício do meu inalienável direito de cidadania e no cumprimento estrito do estabelecido nas leis de Liberdade de Expressão e de Informação. Porém, a opinião que então expressei — admito que dura e, aqui e ali, pontualmente, não absolutamente rigorosa — não teve o melhor acolhimento por parte dos autarcas da JF de Ferreira de Aves que, no uso de um direito legítimo que lhes reconheço, decidiram contestá-la em “local próprio” — o tribunal.

O diferendo foi sanado. Já neste ano. Colunista e a parte “ofendida na sua honra” estabeleceram um acordo que, aparentemente, “melhor serviu” os interesses de cada um dos envolvidos. Um dos lados, viu encerrado um processo que, se seguisse os trâmites normais no sinuoso percurso judicial, arrastar-se-ia indefinidamente no tempo, com os inevitáveis altos custos decorrentes de longas deslocações e desgaste emocional. O outro, viu “defendida e reposta a honra” com o recebimento de um “punhado” de euros e a publicação, nestas páginas, da “retractação” do autor, o que aconteceu na última edição da “GS”.

A dita “retractação” chamou a atenção de alguns leitores que, a propósito, me contactaram. É, portanto, sobretudo a eles que me dirijo nesta crónica e regresso, permitam-me a expressão, ao “local do crime”.

Há vários anos que integro, com gosto e de forma graciosa, o quadro de colaboradores da “GS”. Escrevo por imperativo de consciência e com o objectivo único de poder dar uma “achega”, que entenda por oportuna e válida, para o bem-estar da população da minha terra natal. As minhas opiniões nunca foram objecto de qualquer tipo de censura nem eu fui alvo de qualquer pressão por parte do responsável editorial do jornal. Sempre senti que nestas páginas se vive um saudável ambiente de liberdade ideológica e de expressão, ao contrário de outras tribunas onde, infelizmente, existe uma forte pulsão controleira sobre o que é escrito e sobre quem escreve, prática de verdadeiro acto de “asfixia”. Na “GS”, repito, esse não é, de todo, o caso.

Acontece que nem sempre as opiniões expandidas são do agrado de quem é visado e/ou apenas as lê. Há pessoas que convivem mal, ou não conseguem de todo conviver, com a crítica. Mesmo quando esta é legítima, verdadeira, e vertida sem quaisquer reservas mentais nem fins obscuros e não belisca, minimamente, a dignidade e a honra de quem quer que seja. Como foi o caso em questão. Acresce, porém, que ninguém, rigorosamente ninguém, está a coberto de críticas e, muito menos estão, os que exercem cargos de serviço público, (supostamente) para o bem-estar do público contribuinte. Que somos todos nós.

No quadro de um regime democrático, como é aquele em que vivemos, quem está no exercício legítimo, ainda que temporário, do poder público, seja este central ou local, está permanentemente sujeito ao escrutínio dos cidadãos. Os cidadãos-contribuintes têm o direito de saber, de maneira clara e transparente, como é gasto e onde é gasto dinheiro dos impostos que pagam. Têm o direito, nalguns casos até mesmo o dever, de questionar a gestão de quem governa. Criticar aquilo que consideram ser aspectos menos positivos de qualquer governação é, igualmente, direito legítimo e democrático que lhes assiste. Do qual não devem prescindir.

Quem concorre a actos eleitorais e os vence sabe, ou deveria saber, que fica desde logo exposto ao olhar atento dos cidadãos. Que, através do seu voto, sufragaram nas urnas os seus programas de acção e legitimaram o poder que passam a exercer. Mas não lhes conferiram um mandato de poder absoluto, Não ficam reféns de ninguém, é certo, mas não podem funcionar em “roda livre”.

Todos sabemos que os políticos, sobretudo os que governam, não gostam de ver os actos que praticam serem criticados na praça pública ou na comunicação social. Julgam-se acima da crítica, alguns até acima da lei. Esquecem-se, todavia, que em democracia há direitos que não podem ser sonegados mas, também, existem deveres que devem ser cumpridos. E nem sempre o são. E em muitas circunstâncias e momentos tem sido a voz do povo, o seu clamor, a impedir que algumas infâmias sejam praticadas e alguns actos de gestão danosa sejam realizados. É urgente que os eleitos pelo povo para os órgãos autárquicos ou para o poder central interiorizem que têm a obrigação de, com humildade, ouvir a voz desse mesmo povo.

Sejamos claros. Vivemos num país que reconquistou a liberdade de imprensa e de expressão há quase quatro décadas. Todos conhecemos, directa ou indirectamente, o quanto custou, os sacrifícios que foram feitos para a materialização da reconquista desses valores. E de muitos outros. De que não devemos abrir mão.

O “deixa andar”, de ordem cívica, é uma verdadeira afronta ética. Que, pessoalmente, rejeito. Não fico, nem ficarei nunca, confortavelmente sentado e de braços cruzados, a assistir ao desfile da “transacção de interesses” ou à impreparação de muitos dos que nos governam. Como hoje, mais do que nunca, é notório. Aplaudirei o que for de aplaudir. Criticarei o que me merecer reparo. Sendo certo que, neste último caso, o farei sempre com lisura de propósitos, com sentido construtivo e no respeito pela honra e dignidade de quem critico.

Nunca questionarei só porque sim, só por me apetecer. Fá-lo-ei, isso sim, na defesa do que julgo serem os superiores interesses da população da minha terra. Que foi, afinal, o que fiz quando escrevi o artigo publicado em Junho de 2010.

Então, não julguei o carácter de ninguém. Nem feri a honorabilidade de ninguém. Nem belisquei a dignidade de ninguém. Nunca quis ofender ninguém. Comparei tão-somente melhores e menos bem conseguidos actos de realização de obras. Pus em equação capacidades de fazer. Procurei, humildemente, contribuir para que no futuro possa fazer-se melhor. E isto foi um acto cívico. No limite, político. Nunca um acto que justificasse a alçada judicial. Infelizmente, houve quem assim não entendesse.

Mas, como escreveu o poeta Manuel Alegre, “há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não!”.
Ao silêncio.
Ao conformismo.
À resignação.
Enquanto as páginas livres da “GS” mo permitirem.
Mesmo reconhecendo que, nalguns casos, está cara a liberdade de expressão!

Fonte: Gazeta sátão
Vasco Rodrigues

Sem comentários: