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Inicialmente, os contornos da proposta da RAPL apontavam
para a extinção/fusão/agregação de municípios e freguesias. Porém, ao fim de
vários meses de estudos, (algumas) negociações e muita polémica, o Executivo
“deixou cair” a questão dos municípios e apresentou na Assembleia da República
a Proposta de Lei 44/XII que, dizem, não é mais do que uma “leizinha de
extinção de freguesias”. O documento, por agora, encontra-se na Comissão do
Poder Local para aprovação na especialidade.
Nada será como dantes. Venha a ser o que for, facto é que
o mapa geográfico do País deixará de ter a configuração que hoje conhecemos. A
generalidade dos estudos levados a cabo aponta para a redução de
aproximadamente 1.400 das 4.260 freguesias existentes em Portugal (4.050 no
Continente, 156 na Região Autónoma dos Açores e 54 na Região Autónoma da
Madeira), seja através de fusão, agregação ou extinção pura e simples.
Do ponto de vista governamental, trata-se de uma Reforma
“indispensável e inadiável” com vista à modernização do território nacional, à
simplificação, promoção de qualidade nos serviços públicos e desenvolvimento de
uma relação de maior proximidade com os cidadãos.
Para os autarcas, a leitura é outra. Em nome de uma
“política meramente economicista” pretende-se “retalhar” o País, transformando
as actuais freguesias em meros “lugares” nas novas freguesias, enterrando, de
um momento para o outro, identidades seculares, como sublinha a ANAFRE —
Associação Nacional de Freguesias.
Por seu turno, a Plataforma Contra a Extinção de
Freguesias considera que a medida preconizada pelo Governo viola a Carta
Europeia da Autonomia Local. “Um dos pontos da CAL, ratificada por Portugal em
1990, refere que nenhuma freguesia pode ser extinta ou agregada parcial ou
totalmente a outra sem que sejam ouvidas as populações”, refere o movimento,
que encontrou um aliado em
António José Seguro, líder do PS.
Segundo
o socialista, a Proposta de Lei não só “viola o princípio de autonomia das
autarquias”, como também piora a qualidade de vida das populações, sobretudo
nas zonas rurais. "Isto só pode vir de um
Governo que não tem sensibilidade social e não conhece o País. As freguesias do
interior e com pouca população são aquelas que mais precisam das freguesias,
muitas em vias de desertificação, que viram partir serviços públicos, os CTT,
GNR e extensões de saúde", defende o secretário-geral do PS, frisando que
“não faz sentido que o Estado abandone essas pessoas, na sua esmagadora maioria
idosas”.
Foi uma das maiores conquistas do Portugal democrático. O Poder
Local mudou, de forma muito significativa, a vida dos municípios, freguesias e,
consequentemente, dos cidadãos, contribuindo de maneira decisiva para o
desenvolvimento das regiões e um melhor bem-estar das populações, através da
criação de infra-estruturas até então inexistentes. Porém, o “estado de graça”
em que viveu durante anos a fio tem vindo a ser substituído pela contestação e
muita suspeição. O Poder Local tornou-se, de há alguns anos a esta parte, alvo
privilegiado quando se fala em “gestão danosa dos dinheiros públicos” e em
“corrupção” na Administração Pública.
Autarcas há 15, 20 ou 30 anos no poder, com o consequente desgaste
de ideias e de fôlego, que há muito deixaram de constituir uma mais-valia para
municípios e freguesias, transformando-se em verdadeiros “caciques” locais;
notícias do envolvimento de alguns deles em actos pouco dignificantes para quem
tem por missão principal gerir e cuidar do “bem público”; criação de empresas
municipais que são um sorvedouro de dinheiro e máquinas de fazer dívidas, sendo
que mais de metade das existentes encontram-se, desde há muito, em falência, e
que serviram, essencialmente,
para acolher “boys” e “girls” amigos, ou do partido, a quem foram oferecidos
salários chorudos em troca de nada; construção de obras faraónicas e
magalómanas, como pavilhões multiusos e piscinas de duvidoso interesse para as
populações locais, apenas porque o concelho ou a freguesia vizinhas já possuíam
esses equipamentos. Tudo isto contribuiu, em muitos casos, para a
descredibilização do Poder Local, que vive hoje tempos de dificuldades
inauditas, com muitos municípios à beira da bancarrota e autarcas a contas com
a Justiça
Com
um mandato conferido pelo povo que os elegeu, muitos autarcas entendiam que
tudo podiam fazer e que estavam acima de quaisquer críticas. Não ouviam a voz
dos munícipes, daqueles que neles confiaram através do seu voto. Funcionavam em
verdadeira “roda livre”, com actos de gestão duvidosos, relações promíscuas e nomeações
ao arrepio do que estabelece a lei. São inúmeros os casos de autarcas que
transformaram as “suas” autarquias em quase “empresas familiares”. Situações
que, nalguns casos, roçaram o absurdo, como o de um presidente de Câmara que
nomeou uma senhora para sua funcionária, com quem veio a casar, dando,
posteriormente, emprego à família da sua Mulher.
Mas, também, seria pouco razoável não elogiar o muito bom
trabalho realizado tanto por presidentes de câmaras como presidentes de juntas
de freguesia. Um trabalho nem sempre fácil, muitas vezes árduo, penoso e
incompreendido por munícipes e fregueses, e que foram contributo determinante
para o progresso social e económico da autarquia que representam,
independentemente de lá terem, ou não, nascido.
Voltando ao tema central da crónica. A extinguirem-se
freguesias, penso que isso deveria fazer-se nas grandes cidades. Nos grandes
centros urbanos. O seu desaparecimento não traria dificuldades de maior à à
vida das populações. O mesmo já não se pode dizer quando falamos da extinção
eventual de freguesias nas inúmeras aldeias por esse País fora.
Com efeito, especialmente no interior e nos meios rurais,
a extinção de freguesias significa o fim de juntas de freguesia que assumem um
papel fulcral na vida das pessoas, funcionando como pólos aglutinadores e
dinamizadores da população, um serviço de proximidade que, nalguns casos, chega
a ser o único existente. E a extinção destas é, basicamente, a extinção dos
respectivos lugares.
Acresce, ainda, que extinguir freguesias não será muito
relevante em termos de redução da despesa (o trabalho é mais voluntário que
outra coisa), e será promover a desertificação, o abandono completo de muitas
aldeias pelo país fora que, talvez por ainda terem uma certa voz autárquica,
ainda alguma, ainda que pouca, têm população.
Tem de haver equilíbrio. Neste momento, as autarquias do
Interior têm que gerir grandes áreas com pouco dinheiro. Gastam mais em
manutenção de estradas, água e saneamento, infra-estruturas e iluminação
pública, por exemplo, e têm muito menos dinheiro!
Penso que no nosso distrito há um certo desequilíbrio nas
juntas de freguesia. Vejamos: temos cerca de 16 freguesias com menos de 140
pessoas e outras com 32 e 56 pessoas. No nosso concelho, a freguesia de Forles
com 93 pessoas bem que pode fundir-se à vizinha Águas Boas. Parece-me uma fusão
sensata e que se enquadra no que a lei prevê: nenhuma freguesia poderá ter
menos de 150 habitantes.
Uma questão final. Com o novo enquadramento, penso que o
interior irá ganhar mais, já que a participação do Fundo de Financiamento das
Freguesias (FFF) da freguesia criada por agregação é aumentada em 15%, até ao
final do mandato seguinte. Por isso estou convicto de que seremos mais
beneficiados.
Vasco Rodrigues in gazeta de Sátão maio 2012
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