No tempo em que ainda não havia água nas torneiras e tinha que se ir buscar à fonte, no inverno, quando caia uma grande camada de neve que até partia os pinheiros, íamos para a calçada da fonte escorregar sentados em cima de um bocado de plástico, quando o forno cozia, como o padeiro não passava, ele cozia bastas vezes e nós corríamos para a porta para nos darem um bocado de bola quente, que bem sabia, ainda aproveitava-mos para ir para dentro da fornalha, secar a roupa molhada que trazia-mos no corpo durante o inverno.
Aqueles momentos que passamos na escola da Vila da Ribeira, íamos todos juntos a pé de manhã os sacos da merenda e a sacola dos livros eram em pano, nós là íamos todos contentes, no recreio do meio-dia jogava-se a bola num campo relvado (um pedaço de uma barreira) que tínhamos ao lado da escola pena que era um bocado (muito mesmo) inclinado.
No tempo em que não havia televisão, nas Duas Igrejas, ao domingo à tarde íamos de bicicleta até Lamas, ver os episódios do filme «o Tarzan» na taberna do senhor Adelino Conde, ou então jogar os matraquilhos para o café dos pais da Isabel ao lado das bombas de gasolina.
O tempo em que se ia às cascadas do milho à noite, onde nos juntávamos um rancho de pessoas e num abrir e fechar de olhos dois ou três carros de milho estavam descascados.
No tempo em que se dançava ao som de um gravador de cassetes na garagem do Mário da Paixão aos domingos de tarde, quando vinha ás Duas Igrejas o Augusto Zébelo ou então o Luís de Peva, era uma grande festa, era preciso ir rogar as raparigas e as vezes alguns pais eram difíceis de convencer mas là deixavam ir as filhas ao baile, mas as mães também vinham para as guardar.
Aqueles tempos que quando vinha-mos dos bailes, dava-mos uma volta pelas adegas, lá se bebiam uns copos comia-se um bocado de presunto, ou então íamos bater à porta do Silvério là tinha que se levantar abrir a taberna para comer-mos umas latas de atum com cebola.
No tempo em que íamos encaminhar a água às regadas, jogava-mos à choca e là nos riamos um bocado com o Luís de Cegões assim se passava o tempo.
O tempo em que só tínhamos o domingo de tarde de livre, porque de manhã ainda tinha que ir com as vacas ou então ceifar um molho de erva.
Saudades do cheiro dos rosmaninhos que íamos apanhar entre o Carqueijal e a Foz, para a fogueira pelos Santos Populares, era uma noite mágica, todos saltávamos por cima dessa fogueira.
Dos tempos em que ia trabalhar para Covelo ou Aguas Boas de bicicleta, ou então quando ia para a oficina de carpintaria do tio António Décio e só saía às nove horas da noite, do tio José trazer um quarteirão de boa sardinha um bocado de broa e uma garrafita de morangueiro, pagava-mos a sardinha o resto era ele que oferecia, fazia-mos umas brasas e as dez já se comia sardinha assada.
Saudade do moinho das Marras, quando nos calhava a moer tinha-mos que là ir dormir ao fim da ceia, eu e o meu pai lá íamos em direcção às Marras para apanhar-mos a farinha e passar a noite. Nos moinhos do Carqueijal aí não era preciso dormir.
Dos tempos em que havia em Duas Igrejas, muitas juntas de vacas, ouvia-se as rodas dos carros passar na calçada, no tempo das sementeiras parecia Lisboa em hora de ponta.
Saudade das malhas de centeio, da verga com que acartava-mos a palha para os palheiros que o tio Albino fazia, que de vez em quando pela escada abaixo (percalços do oficio), debaixo de um calor intenso com um lenço amarrado à volta do pescoço, as mulheres ajudavam-nos a subir para as costas as fachas de palha e passavam-se horas a acartar palha ao fim da malha, depois no fim a bem merecida merenda.
Dos tempos em que não havia telemóveis, computadores, Internet, televisões a cores, os jogos de futebol ouvia-se o relato no radio, o Académico de Viseu jogava na primeira divisão e assim no Fontelo podia-se ver os tais clubes grandes a jogar.
Vou parar aqui, pedir para que se volte atrás é impossível, mas, com muita pena porque com coisas bem mais simples vivia-se mais alegre.
Tenho quase a certeza, que muitos leitores do blog, pensam a mesma coisa que eu penso, mas, que ainda esqueci muita coisa, porque a memória também já começa a falhar.
Da Suíça
Armandino Ferreira de Lemos