terça-feira

Saldanha Sanches a «última crónica»

José Luís Saldanha Sanches, morreu, em Lisboa,14 de Maio 2010
Saldanha Sanches faleceu vítima de cancro no hospital de Santa Maria,  onde estava internado, há três semanas.
Fiscalista, professor universitário, comentador político e jurisconsulto são apenas algumas das várias actividades desempenhadas por José Luís Saldanha Sanches, aos 66 anos, em Lisboa, vítima de cancro. 
Com a morte de Saldanha Sanches a Universidade Portuguesa fica mais pobre e o País perde uma personalidade que sempre soube estar -na sua palavra e no seu exemplo-ao lado do Povo,do desenvolvimento ,da Justiça e da liberdade.
Também perdi um amigo e cliente do meu bar, onde por várias vezes se encontrava com amigos, para desfrutar de momentos de prazer no fim do dia, o «Bar Metro e Meio», era um dos seus bares preferidos.
Transcrevo na integra, a sua ultima crónica já nos hospital, nos seus últimos dias de vida 

Fala-se muito, nos últimos tempos, em medidas para reduzir o défice. Medidas fiscais, diz-se até, de justiça fiscal.
O aumento do IVA é compreensível e mais justificado do que a redução populista nas cadeiras dos bebés ou nos ginásios, que os consumidores nunca sentiram no bolso. Há pouco tempo foi a aprovação da tributação das mais-valias em IRS para acções detidas há mais de doze meses - medida justa, pois a não tributação era uma singularidade portuguesa. Para as acções alienadas antes da entrada em vigor da lei, a tributação é claramente retroactiva. Mas há na Constituição mais princípios do que o princípio muito tropical da não retroactividade da lei fiscal - e a possibilidade financeira de manter o Estado Social é apenas um deles.
Em qualquer caso, a justiça fiscal é uma questão que não se coloca só do lado da receita pública. Receita e despesa são o verso e o anverso do problema da justiça fiscal. É também muito provável que o esforço financeiro venha a atingir a segurança social, as pensões, as reformas.
Ora, de nada serve aumentar o IVA, ou tributar mais-valias, se o Estado continua a esbanjar recursos.
No esbanjadouro são muito claros dois tipos de papa-reformas: as obras públicas desnecessárias e os papa-reformas em sentido próprio.
O Estado (o Governo, o primeiro-ministro) vive agrilhoado a um conjunto de compromissos políticos, arranjinhos, promessas, vassalagens, dívidas que paga periodicamente em quilómetros de auto-estradas, túneis e, agora, em TGV com paragens em todas as estações e apeadeiros do poder local (desenhado em cima do mapa da volta a Portugal em bicicleta). Já todos sabemos que Portugal tem mais quilómetros de auto-estrada do que muitos países mais desenvolvidos, que não fazem sentido muitas dessas estradas e que é um absurdo havê-las sem custos.
O que é uma verdadeira esquizofrenia é que nada se faça neste momento de verdadeiro aperto das finanças públicas. E o discurso da oposição, que defende a suspensão das grandes obras públicas, mais parece um salivar em vésperas de poder, um repto para que se guarde o melhor vinho para depois de eleições - e não uma verdadeira preocupação com as finanças, ou seja, com os contribuintes.
Além das vassalagens, não podemos esquecer os outros papa-reformas, profissionais da acumulação de reformas públicas, semipúblicas e semiprivadas. Basta ver o caso do Banco de Portugal, ou outros menos imorais, que permitem que uma série de cidadãos - gente séria, acima de qualquer suspeita - se alimente vorazmente, em acumulações de pensões, reformas e complementos, que começam a receber em tenra idade. Muitas vezes até com carreiras contributivas virtuais, sem trabalho e com promoções (dizem que para isto são muito boas a Emissora Nacional / RTP e a Carris).
Tudo isto, como sempre, é feito ao abrigo da lei. É que isso dos crimes contra a lei é para os sucateiros. O problema é que a lei que dá é refém dos beneficiários que tiram e da sua ética.

1944-2010
Professor universitário e fiscalista, José Saldanha Sanches morreu ontem, aos 66 anos, vítima de cancro. O Expresso publica hoje a sua última crónica. Ditou-a esta semana, já internado no Hospital de Santa Maria. 

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