terça-feira

D. Ilídio Leandro, bispo de Viseu, falou à “Gazeta de Sátão”


 


“A política é a arte nobre de fazer feliz
        quem tem mais dificuldades”


É a primeira entrevista que concede à “Gazeta de Sátão” desde que assumiu a liderança da Diocese, em Julho de 2006. D. Ilídio Leandro, cuja voz se tem feito ouvir em críticas desassombradas à actual governação do País — “os portugueses estão a ser enganados” e “a classe política revela amadorismo” são apenas dois exemplos —, diz-se “chocado” com “a indiferença para com quem não tem o mínimo para viver”, com as “injustiças” e as “desigualdades” e desafia os políticos a fazer uma “política que vá ao encontro dos que mais precisam”. O chefe da Igreja Católica viseense mostra-se preocupado com a “pouca atenção” que é dada às zonas rurais do distrito, fala da sua desertificação e do envelhecimento e solidão das pessoas, e sublinha o esforço que a sua Diocese está a fazer para responder às famílias mais carenciadas nesta altura de crise. D. Ilídio,  apela a todos os viseenses que construam a esperança através da “coerência e testemunho de vida”.


Entrevista de Vasco Rodrigues


GAZETA DE SÁTÃO — Seis anos e meio depois de ter sido ordenado bispo de Viseu, que balanço faz da sua acção?
D. ILÍDIO LEANDRO — O balanço é diversificado porque não trabalho sozinho. Como diz o lema que escolhi, este trabalho assenta na co-responsabilidade com todos os cristãos da diocese (“convosco”), na comunhão com Jesus Cristo, o Bom Pastor (“por Cristo”) e traduz-se na missão, aberta a todos, mesmo aos não cristãos e não crentes (“para todos”). Então, devo dizer que estou contente com o que tem sido possível fazer, na alegria e com o entusiasmo de uma Comunidade a viver e a proclamar a Fé em Jesus Cristo, na Igreja, mas insatisfeito, pois quero mais e melhor. Esta insatisfação gera o dinamismo para continuar a fazer mais, em comunhão com esta Igreja de Viseu que Deus me chama para amar e servir.
“Convosco, Por Cristo, Para Todos” foi o seu lema episcopal. Hoje ainda o mantém?
O lema é para toda a minha vida episcopal. Pelo que disse antes, é uma escola de dinamismos de vida e de acção.
Porque é que ficou “surpreendido e admirado” com a nomeação feita pelo Papa Bento XVI?
Não a esperava. Primeiro, estava a gostar muito da acção de D. António Marto. Depois, era pároco e sentia-me muito bem, como pároco, nesta diocese. Não contava que fosse chamado a estas responsabilidades.
Foi um padre sempre activo e comprometido com a Igreja no distrito, conhece bem a Diocese viseense. Apesar disso, em algum momento receou o “peso da herança” deixada pelo seu antecessor, um bispo tão carismático como foi D. António Marto?
Nunca receei a herança. Quero honrá-la, mas aceitar a diferença e acreditar no chamamento, correspondendo a ele. Cada pessoa que responde a Deus com tudo o que é e tem, faz a vontade de Deus. É Ele, depois, o dono e quem faz e transmite as heranças. Só procuro estar no fazer a vontade de Deus.

Vida… só no Verão

Tem feito visitas pastorais regulares às comunidades paroquiais da Diocese. Tem estado com as pessoas, como tanto gosta. Que realidade tem encontrado?
Encontro comunidades que sentem muito as dificuldades actuais — de interior, de famílias envelhecidas e de pessoas muito sós, de falta de empregos e de pouca atenção às zonas rurais, levando a que “a vida emigre” e só se sinta no Verão...
O acentuado envelhecimento das populações na maioria das aldeias, freguesias e vilas da área da Diocese e a forte desertificação preocupam-no?
A preocupação é grande por várias razões. As pessoas mais frágeis ficam muito sós e os valores dispersam-se muito. Começa a faltar “cultura de raízes” e as pessoas não são de lado nenhum.
A falta de sacerdotes é um dos problemas com que se debate a Diocese de Viseu. Como pensa/poderá resolvê-lo?
Não sou eu que resolvo a falta de sacerdotes.
A mim, ao presbitério e aos cristãos da diocese cabe trabalharmos com as realidades que temos. A  evangelização e a acção pastoral são tarefas de toda a Igreja e quem comanda a Igreja é Jesus Cristo. Cabe-nos rezar e pedir vocações em todas as áreas — sacerdotal, religiosa, familiar e fazer a nossa parte. Cabe-nos ter, viver e comunicar a Fé em Jesus, com esperança.
Houve algum desencanto por parte de muitos paroquianos que ficaram sem a realização da tradicional “Missa de Natal” exactamente por não haver sacerdotes disponíveis para a celebração. Como comenta?
Não estou a par de desencantos deste género. Os padres fazem muito mais do que seria legítimo esperar deles. A deslocação das pessoas para irem à Eucaristia deve ser o sinal de um desejo de viver, alimentar e proclamar a Fé.
 Um recenseamento sobre a prática dominical mostra que apenas cerca de 20% da população participa nas missas celebradas no território diocesano. Como é que se explica esta situação e que medidas podem/devem ser tomadas para a inverter?
Poderíamos encontrar muitas explicações: o Domingo em que foi feito (7 de Fevereiro) foi o mais frio do ano; há muitos cristãos praticantes que, num ou noutro Domingo, por variadas razões, faltam à Eucaristia; há muitos cristãos que vivem a fé cristã, indo uma ou duas vezes por mês à Eucaristia; há muitos cristãos que vão de vez em quando; há muitos que não sentem, ainda, a necessidade e o bem que é a Eucaristia… Isto é verdade e não fujo à questão da pergunta... A missão da Igreja é ajudar a criar, nos cristãos, uma relação profundamente pessoal e eclesial com Jesus Cristo e com os irmãos, de modo a fazer sentir o bem e a falta da comunidade. Porém, isto será sempre um caminho a percorrer.

“Igreja não se alheia dos problemas do mundo”

A perda de referências e valores na sociedade portuguesa pode estar a reflectir-se na Igreja Católica e a dificultar a sua missão?
A Igreja Católica está no mundo e não se alheia nem aliena dos problemas do mundo. Quer actuar como luz, como sal e como fermento, mas é constituída, também, por pessoas que vivem, sofrem e se questionam com os problemas da sociedade.
Aqui e ali, em surdina ou alta voz, ouvem-se criticas à actuação de alguns sacerdotes que trabalham na Diocese. A mais comum é a de que “não são apelativos”, nomeadamente nas suas homílias. Tem conhecimento de algum mal-estar da população?
As críticas são normais e são desafio e interpelação à actividade e prática pastoral de todos. Os sacerdotes são homens e cada um tem valores diferentes que se evidenciam em iniciativas e tarefas diferentes. Deus fala, actua, ensina, santifica através de meios humanos e com a ajuda de pessoas humanas. Deus está satisfeito com os padres que tem e confia nos padres que chama, desde que cada um procure fazer o melhor que pode e sabe.
A grande maioria dos jovens está cada vez mais distante da Igreja. O que é necessário fazer para recuperar e/ou captar os “novos apóstolos”, como um dia os designou?
Os jovens estão, vivem e crescem nas suas famílias; aprendem e desenvolvem-se nas suas escolas; convivem e agem nos seus meios ambientes; integram-se nos diversos grupos e associações; interagem nos mundos culturais, políticos e sociais das suas localidades… A Igreja está presente e quer interagir com os jovens e com todas as pessoas em todos estes meios, instituições e ambientes. Cada “instituição” deve reflectir e interrogar-se sobre o modo como vive, os valores que defende e protege, o amor que tem aos jovens, o tempo que lhes dedica e a esperança que lhes abre… A Igreja precisa de fazer, também, muito mais e de estar mais próxima dos jovens e de lhes fazer apelo à alegria e entusiasmo por serem e viverem como cristãos…
E o vazio dos seminários, como é que se combate?
Respondo da mesma forma. Pedindo que olhemos para a situação das famílias, da natalidade e dos valores que se defendem e promovem sobre o respeito, o valor e a dignidade da família e da vida na nossa cultura actual.

Sínodo “aposta na formação dos cristãos”

A Diocese de Viseu está a meio do processo sinodal que teve início em 2010 e se prolongará até 2015. O objectivo é renovar a acção da Igreja. Neste momento, que balanço é possível fazer?
Para além de renovar, o Sínodo quer ajudar a reestruturar e reorganizar a diocese de Viseu. Sobretudo quer fazer uma grande aposta na formação dos cristãos. Até agora, houve um estudo e conhecimentos da fonte do Sínodo – Documentos do Concílio Vaticano II. Gostaria que mais pessoas tivessem feito este caminho. Desejo que todas as comunidades, instituições e grupos agarrem, com entusiasmo, esta 2.ª parte — 2013-2015 — o verdadeiro trabalho sinodal.
Um recente estudo sobre desenvolvimento económico e social, levado a cabo pela Universidade da Beira Interior, mostra que o Sátão ocupa a 302.ª posição entre os 308 concelhos analisados. É o custo da interioridade?
Há instâncias mais capazes do que eu e a Igreja para responder a esta questão. A interioridade, certamente e outras razões estão na génese dessa situação.
O distrito de Viseu não é excepção à crise que afecta o País. O que é que a Diocese tem feito para minorar as graves dificuldades que afecta a população?
A Diocese lidera as respostas sociais às pessoas e famílias com dificuldades através das IPSS (84), Misericórdias (14), Cáritas e muitos grupos de acção sócio-caritativa, Conferências de S. Vicente de Paulo, etc. Além disso, criou um Fundo Diocesano de Solidariedade, em comunhão com os Fundos Paroquiais e o Fundo Nacional da Conferência Episcopal Portuguesa. Penso que a Igreja na nossa Diocese procura estar atenta e responder às pessoas e famílias em situação difícil, como é sua vocação e missão.
Os meios de que dispõe permitem à Diocese responder às inúmeras solicitações que não deixarão de lhe ser feitas?
A solidariedade e a capacidade de partilha dos cristãos e das pessoas em geral parecem inesgotáveis. Quanto mais e maiores as dificuldades, maior é a generosidade que se verifica em todas as pessoas, independentemente da Fé ou da religião.

“Direito à saúde, à educação, ao emprego, aos bens essenciais”


Tem feito ouvir a sua voz de descontentamento relativamente à governação do País. Disse já que os portugueses “estão a ser enganados” e que a generalidade da classe política revela “amadorismo”. Defende a mudança das políticas seguidas ou a mudança do actual Governo?
Não falo de mudanças técnicas e práticas no campo político, nem falo de políticas concretas. Falo das pessoas que precisam de atenção concreta, dos direitos fundamentais que lhes devem ser reconhecidos, da dignidade de vida a que têm direito, do trabalho que precisam para se realizarem em todos os campos, do respeito pelas condições de vida. Para isto, reconhecendo as dificuldades actuais, apelo à equidade na distribuição de todos os bens: direito à vida, à saúde, à educação, ao emprego, ao acesso aos bens essenciais, etc. As soluções técnicas pertencem à política e a quem a serve, fazendo dela um serviço e uma arte nobre de fazer felizes as pessoas, indo ao encontro das que, por várias razões, têm mais dificuldades.
Choca-o a falta de sensibilidade e de justiça social manifestada pelo actual Governo?
Choca-me a indiferença para com quem não tem o mínimo para poder ser pessoa em convivência social com as outras pessoas do seu País. Chocam-me as injustiças, as desigualdades, as diferenças de oportunidades.
Na homília de Ano Novo voltou a criticar a acção dos governantes nacionais e europeus e falou da falta de esperança. Que mensagem de esperança pode deixar, através da “Gazeta de Sátão”, ao povo da sua Diocese?
A mensagem de esperança vem do Natal e trá-la o Filho de Deus que veio para viver connosco. Porém, esta esperança tem por fundamento a coerência de vida. Não podemos apelar à esperança sem fazer nada na linha da partilha, da dignificação da vida, do respeito pelas pessoas, da atenção aos mais pobres, doentes e idosos, sem estar atento aos vizinhos e sem viver como irmão de cada outro. A esperança nasce do coração de cada um, pela abertura, diálogo e respeito por todos. A minha mensagem de esperança passa, pois, pela coerência e testemunho de vida.
Por último, uma questão que, na altura, agitou a Igreja Católica. Continua a defender o divórcio, o casamento entre homossexuais e o uso do preservativo?
Continuo a defender a dignidade da família construída no amor e na comunhão de vida; continuo a respeitar outras opções de vida, independentemente de estar ou não de acordo; continuo a defender o respeito pela vida, desde a concepção até à morte natural e a dizer que ninguém pode causar dano a outrem, devendo evitar transmitir doenças que provenham de um comportamento de risco.
Uma vida cheia ao serviço da Igreja

Ilídio Pinto Leandro nasceu em Pindelo dos Milagres, S. Pedro do Sul, a 14 de Dezembro de 1950 (62 anos). Foi ordenado Presbítero em 25 de Dezembro de 1973. A partir daí, exerceu os seguintes cargos: Prefeito do Seminário de S. José de 1974 a 1975.  Assistente do Agrupamento de Escuteiros 102 de Viseu de 1977 a 1982. Conselheiro Espiritual de Equipas de Nossa Senhora, a partir de 1985. Pároco de Torredeita de 1983 a 1989. Pároco de Farminhão 1984 a 1989. Pároco de Boaldeia de 1986 a 1989. Pároco de Caparrosa de 1987 a 1989.  Assistente da ACR Juvenil de 1986 a 1989. Licenciado em Teologia Moral pela Academia Alfonsiana - Roma, em 1992. Responsável pelo Departamento da Pastoral Universitária e do Ensino Superior (PESV) de 1992 a 1998. Professor de Teologia Moral no Seminário Maior de Viseu a partir de 1992.  Professor de Teologia Moral no Curso de Ciências Religiosas a partir de 1992.  Director Espiritual do seminário Maior de Viseu a partir de 1992. 
Capelão do Centro Regional das Beiras da Universidade Católica Portuguesa, de 1993 a 1998.  Presidente do Secretariado da Pastoral Juvenil de 1994 a 1998.  Assistente Diocesano do Instituto Caritas Christi de 1996 a 1999. Pároco de Canas de Senhorim de 1998 a 2005. Membro do Conselho Presbiteral, em vários mandatos. Presidente do Departamento Nacional da Pastoral Juvenil de 1999 a 2000. Professor no ISCRA - Aveiro, a partir de 2000.  Presidente do Conselho Fiscal da Fraternidade Sacerdotal no triénio 2002-2005. Presidente do Secretariado do Clero de 2004 a 2006. Pároco de S. Salvador de 2005 a 2006. 
Em 10 de Junho de 2006, o Papa Bento XVI nomeou-o Bispo da Diocese de Viseu. 
A ordenação aconteceu em 23 de Julho do mesmo ano. 

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