terça-feira

Sátão foi considerado um dos piores concelhos do país para se viver

Um problema do Estudo, da Autarquia ou do Estado?

Na lista que pretende avaliar a qualidade de vida dos municípios portugueses, o Sátão é o município do distrito de Viseu 
que surge em pior lugar no Indicador Concelhio de Desenvolvimento Económico e Social de Portugal, desenvolvido pela Universidade da Beira Interior (UBI). Diga-se mesmo que o concelho de Sátão falhou por pouco o pódio dos piores concelhos a nível nacional, ao ficar em 302º lugar, no total dos 308 concelhos. Um resultado no imediato considerado demasiado injusto e incómodo por todos os satenses, mesmo para aqueles cujo primeiro impulso foi o de utilizar esse dado para fazer oposição política ao atual executivo camarário. O mesmo poderá dizer os viseenses. A capital de distrito ficou num modesto 90º lugar, o que contrasta fortemente com os resultados dos estudos da Deco-Proteste que atribuem a Viseu a liderança na qualidade de vida.
É recorrente este tipo de estudos ser enaltecido pelos concelhos que ficam nos primeiros lugares do ranking e denegrido por aqueles que ficam na cauda, sem que uns e outros apresentem razões objetivas. No que respeita ao Sátão, creio que poderei ir um pouco mais além. Assistimos atualmente a um movimento de pessoas do litoral que desejam fixar-se no nosso concelho, seguindo a experiência de uns muito bem informados holandeses que descobriram este lindo rincão da Beira há já alguns anos atrás. Um número significativo desses novos habitantes tem vindo pela mão do Sr. Abel de Figueiredo, do Avelal, no âmbito do seu projeto de Repovoamento do concelho. Neste mês de janeiro, vários dos melhores atletas do ranking europeu de orientação estão a treinar junto ao Santuário do Senhor dos Caminhos, fascinados pelas condições ambientais e pela forma simpática como foram recebidos na maior prova internacional de orientação realizada aqui no ano anterior. São sinais positivos e revelam todo um potencial a explorar.
Ora, a publicação dos resultados do estudo da UBI parece remar em sentido contrário, pois podem ser interpretados como penalizadores para a imagem do concelho. O coordenador do estudo, o professor catedrático José Pires Manso afirmou-nos

que não era essa a intenção, mas sim a de analisar a questão do desenvolvimento económico e social das regiões/municípios e “fazer com que os políticos olhem para os mais de 75% do país que está esquecido, adormecido, à espera que neles se criem empresas e empregos que possam dar nova vida e estes municípios”. O responsável realça o facto de este ser o estudo que maior número de indicadores inclui em Portugal. Esta terceira edição de um estudo iniciado em 2007, elaborada no último trimestre de 2012, inclui 48 indicadores baseados em dados de 2010 do Instituto Nacional de Estatística (INE) e referentes aos 308 municípios de Portugal. A classificação final dos concelhos tem em conta condições materiais, sociais e económicas subdivididas em itens como número de centros de saúde ou equipamentos culturais por cada mil habitantes, a taxa de escolarização ou o dinamismo económico. Note-se todavia que, neste tipo de estudos, um maior número de indicadores não significa maior qualidade dos resultados. Sem entrar aqui em detalhes técnicos, direi apenas que a utilização de indicadores relacionados entre si pode distorcer a realidade que pretende representar. É preferível ter um modelo com um número reduzido de indicadores significativos. Dou um exemplo, talvez um pouco radical, mas esclarecedor. Creio que fazer o ranking de qualidade de vida dos concelhos apenas com o indicador de qualidade da água da rede pública daria melhores resultados. Neste indicador, o Sátão encontra-se em 236º lugar no total de 277 concelhos do continente, o que me parece a priori mais consentâneo com a realidade que observamos. Por essa razão tenho dedicado alguma atenção às análises à qualidade da água nas páginas da Gazeta de Sátão ao longo dos últimos anos, onde é de registar uma melhoria gradual, embora ainda não se tenha atingido o nível desejado.
Acresce ainda o facto de nos estudos sobre a qualidade de vida anteriormente realizados pela UBI em 2007 e 2009, o concelho de Sátão ter ficado no ranking em 212º lugar e em 238º lugar, respetivamente. Podemos admitir um refinamento técnico entre o primeiro e o segundo estudo, a justificar essa variação. Temos agora maior dificuldade em aceitar a queda do concelho de Sátão no ranking para o 302º lugar neste terceiro estudo. Num indicador de características estruturais como este, não é possível aceitar pacificamente que o concelho de Sátão tenha caído noventa lugares no ranking desde o primeiro estudo, realizado apenas cinco anos antes. Assim como não podemos ser ingénuos ao ponto de acreditar que se hipoteticamente subir cinquenta lugares no ranking no próximo estudo a realizar daqui por dois ou três anos, que isso traduza uma melhoria substancial da qualidade de vida dos satenses.
Por outro lado, é de questionar qualquer estudo que atribua, como este o faz, o primeiro lugar da qualidade de vida a Lisboa. Como sabemos, é uma cidade com níveis de poluição recorde, um elevado índice de criminalidade e onde existem incontáveis sem-abrigo a dormirem nas ruas. Nada disso acontece no Sátão, como se comprova pelas declarações recentes de vários dos nossos autarcas, conhecedores do terreno, que afirmaram não haver sinais de questões sociais graves no concelho. Em termos de administração autárquica podemos referir a boa gestão financeira, com uma diminuição substancial da dívida nos últimos anos, garantia de um desenvolvimento futuro continuado, o que devia servir de exemplo ao Estado e a outras autarquias. Foi também possível projetar o nome do concelho em termos nacionais ao se reivindicar e conseguir resultados muito satisfatórios na recente reorganização do mapa judicial, com a continuidade do tribunal de Sátão. E não posso deixar de referir também, como sinal de afirmação concelhia, o facto de termos um deputado deste concelho na Assembleia da Republica.
Não que se considere por estas palavras que não existem muitos aspetos suscetíveis de melhoria no nosso concelho, como nos dá conta, recorrentemente, os meios de comunicação social satenses. Mas, uma coisa são as críticas, mais ou menos adequadas (pouco importa), de que quem ama a sua terra e deseja para ela o melhor, outra coisa é a comunicação social nacional veicular uma imagem negativa do concelho de Sátão. O indicador produzido por este estudo parece privilegiar um desenvolvimento desenfreado em detrimento de um desenvolvimento sustentado. Não afasto também a hipótese de ter havido erros na recolha ou na manipulação dos dados para esta terceira edição do estudo. O indicador pode não estar a medir o nível de qualidade de vida dos concelhos mas a refletir a deficiente base de dados do Instituto Nacional de Estatística sobre o qual foi construído. Perante estas questões que colocamos ao coordenador do estudo, este admite a grande complexidade do problema em análise.
Segundo José Pires Manso, os números apresentados mostram que “o país anda a três velocidades, uma para os municípios mais urbanos do litoral, e depois há o interior do país, que podemos dividir em zonas mais rurais e outras mais urbanas”. Os 30 municípios que ocupam os últimos lugares neste estudo estão essencialmente em áreas rurais e a maioria pertence ao Norte e Centro do país. São concelhos envelhecidos, onde o principal sector de atividade é a economia social, como afirmou o coordenador do estudo, o que pode ter uma conotação depreciativa. Pela minha parte, não vejo grande mal em “andar a uma velocidade mais lenta” se fizermos alguns atalhos, aprendendo com os erros dos que seguiram à frente, evitando seguir o que fizeram de errado. Também defendo que a designada atividade de economia social pode até ser um trunfo do concelho de Sátão, se investirmos em equipamentos e desenvolvermos competências específicas. Em vez de vermos satenses, ao fim de uma vida de trabalho, a procurar um lar de terceira idade fora do nosso conselho, atraia-se idosos de outros concelhos para o Sátão. Afinal, não é aqui que impera a “Arte de Bem Receber”?
Pires Manso diz ainda que este estudo pode servir como “instrumento de reflexão” para os poderes públicos, a nível central e municipal. Acredita que ao denunciar o desprezo a que vem sendo votado o interior, este estudo possa servir como arma de arremesso para granjear mais investimento público. No concelho de Sátão poderia servir, por exemplo, na luta pela almejada via rápida de ligação a Viseu. Ou, de um modo mais geral, que sirva como instrumento de pressão para que Lisboa não desperdice fundos comunitários que se deviam destinar a desenvolver o interior. O problema não é de hoje nem de ontem mas de sempre, e o estudo chama a atenção para o problema.
Em resumo, o estudo da Universidade da Beira Interior conterá as suas imperfeições mas não será de o deitar fora liminarmente, pois pode ser melhorado no futuro. Talvez tenha sido demasiado ambicioso ao fazer um ranking de concelhos. Talvez fosse mais prudente ficar por uma arrumação dos concelhos que seguem nas três velocidades referidas. É que a divulgação dos resultados dos piores classificados parece penalizar mais os concelhos e as respetivas autarquias, que os verdadeiros culpados que são os poderes públicos centrais que têm vindo a esquecer cada vez mais o interior.


Abel Estefânio in Gazeta do Sátão Janeiro 2013
economista
aestefanio@hotmail.com

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