quinta-feira

Portugal assiste a nova vaga de emigração

«Um emigrante é um português de segunda / Cavaleiro andante que traz no peito Portugal / Pelo estrangeiro para ganhar a vida vagabunda / E as lágrimas correm quando chega o Natal»


Portugal está a voltar de novo à emigração. Este movimento intenso de saída do País só encontra paralelo no final dos anos 50 e década de 60. Ontem, como hoje, a causa é a mesma: desemprego, dificuldades económicas e ausência de perspectivas de futuro. Só uma diferença se constata: no tipo de emigrantes.
Os que há meio século atrás procuraram outras paragens eram, na generalidade, pouco qualificados. Os que hoje passam as fronteiras em busca do «sonho dourado» são pessoas academicamente preparadas para o exercício de actividades que exigem um elevado grau de qualificação. Cerca de 95 mil são licenciados. Jovens, na sua maioria.
A emigração regressou «e em força». A afirmação data do ano passado e é de Álvaro dos Santos Pereira, então investigador numa universidade do Canadá e, actualmente, ministro da Economia no governo de Pedro Passos Coelho. A estimativa de Santos Pereira aponta para uma saída de aproximadamente 700 mil portugueses entre 1998 e 2008, isto é, cerca de 7 por cento da população. Números bem mais significativos do que os publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, em 2010: neste ano, segundo o INE, terão deixado Portugal 24 mil cidadãos de um total de 150 mil na última década. Já o coordenador científico do Observatório de Emigração diz que, anualmente, saem do País, 75 mil portugueses. Entre Álvaro dos Santos Pereira, INE e o OE há um traço comum: se muitos destes novos emigrantes optam por regressar à origem ao fim de algum tempo, a esmagadora maioria permanece nos países de acolhimento.
Países tradicionais como Suíça, Luxemburgo, França, Inglaterra e Alemanha estão no topo dos destinos escolhidos pelos novos emigrantes nacionais. Espanha, no início, também teve lugar de destaque, mas, a crise que igualmente enfrenta, deixou de ser opção e tem sido abandonada. Há, no entanto, um elemento novo e de, algum modo, surpreendente: o regresso às nossas ex-colónias africanas. Particularmente a Angola, onde a mão-de-obra portuguesa já ronda os 100 mil trabalhadores.
A degradação das condições de vida em Portugal, com destaque para o desemprego galopante e a falta de apoios sociais, fruto de uma política de austeridade sobre austeridade, que vai encerrando milhares de empresas por dia e lançando no desemprego outros milhares de pessoas está, como já disse, na origem da nova vaga de emigração. E não se pense que o aumento permanente do número de indivíduos que saem do País tem correspondência no volume de remessas de dinheiro enviadas para Portugal. Isso foi antigamente.
 «Portugal padece de um síndrome de decadência e de falência da auto-estima persistente». Alguém escreveu isto. E com propriedade. Num País com um presente difícil e um futuro comprometido é complicado ter-se uma elevada auto-estima. Em constância. Durante anos a fio, particularmente entre 1995 e 2002 — consulados dos governos de António Guterres — o País viveu, claramente, acima das suas possibilidades. Os portugueses deixaram-se iludir pelo facilitismo, por um novo-riquismo sem sentido, esquecendo-se de que a «factura» lhes seria apresentada. Mais cedo ou mais tarde. O que está a acontecer agora.
Agora, como há meio século atrás, vamos de novo partir. No momento em que um terço da população portuguesa sobrevive dolorosamente entre a mais profunda miséria e a absoluta falta de perspectivas!
Galopante, rígido e implacável, o desemprego aumenta em flecha, não coloca apenas e só uma geração «à rasca», atinge não só os mais jovens, que não vislumbram qualquer futuro para as suas vidas, mas, e por arrastamento, envolve todas as outras gerações. E, de forma indirecta, a dos reformados e pensionistas que, após uma vida inteira de trabalho, bem mereciam um descanso absolutamente tranquilo.
Estamos numa espécie de «estado de sítio». A falência é quase total, (sobre) vivemos com um empréstimo internacional que a todos custa os olhos da cara. (Sobre) vivemos de forma quase indigente. Fomos enganados por vendedores de ilusões que nos fizeram acreditar no «oásis». Que não existia, obviamente. A crise já se aproximava de nós há vários anos, já se preparava para nos bater à porta, e eles, os políticos, a negá-la, a não a aceitar como situação concreta, eminente. Hoje temos uma vida dolorosa.
A «mentira política» tem dominado a governação do País desde o 25 de Abril. Umas vezes dissimulada, de outras vezes ostensiva. Todos os governos, das mais diferentes colorações político-partidária, têm responsabilidades. Habituámo-nos a conviver com a mentira. Quase a caucionámos. E, mais grave, impavidamente aceitámo-la. O «estado de sítio» a que chegámos era apenas uma questão de tempo.
Hoje emigra-se não por razões de índole política ou de perseguição religiosa, como no início do século XX. O factor geográfico também não é determinante. Hoje deixa-se o País para, como há meio século, fugir da miséria.
Como poderá crescer a nossa economia? Sem o pagamento da dívida externa e o equilíbrio das contas públicas, o crescimento económico não recuperará. Para que isso aconteça, é necessária uma reforma profunda no apoio às pequenas e médias empresas, que são, maioritariamente, a base de sustentação económica de Portugal. Criação de riqueza e de postos de trabalho passam por elas.
Sucessivos desgovernos deixaram o país de rastos. Cada partido político, sempre puxando «a brasa à sua sardinha», alguns deles funcionando como grandes «agências» de emprego público para «os seus filiados e amigos», espatifaram a pouca riqueza que o País poderia produzir para todos. E a pouca que foi produzida não foi equitativamente distribuída.
Deitar abaixo este País multi-secular foi muito fácil. Levantá-lo será muito mais difícil e levará muitos e muitos anos. Serão necessários muitos sacrifícios e a implementação de medidas económicas e de políticas drásticas cujo custo o povo sofrerá na pele. É o preço dos sonhos que nos venderam.
A nossa independência económica está perdida. Dependemos de um mercado financeiro com contornos de usurário. Explorador. Viveremos de sucessivos empréstimos que terão de ser pagos com juros e o mais que nos for imposto.
Porém, não sejamos ingénuos. A seguir à independência económica virá a independência política. Numa Europa cada vez menos unida. E mais desigual. 
Teremos ainda tempo para salvar a nossa independência enquanto Estado-Nação?

Vasco Rodrigues. In gazeta Satão Dezembro 2011

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