Quero
de volta a esperança de Abril!
“Esta é a madrugada que eu
esperava
O dia inicial inteiro e
limpo
Onde emergimos da noite e do
silêncio
E livres habitamos a
substância do tempo”
Sophia de Mello Breyner
Andresen, in “O nome das Coisas”
Comemora-se esta semana o 39.º aniversário do 25
de Abril.
A “revolução dos cravos”, como ficou conhecida.
Alguém, um dia, a qualificou como a “última
revolução romântica” da Europa.
Para mim, todas as revoluções, desde que apontem
no sentido da liberdade, têm o seu lado de romantismo e ficam, como tal, na
memória popular.
Quase quatro décadas passadas sobre aquela
madrugada libertadora, onde couberam todos os sonhos, que País somos nós?
Na minha aldeia, bem no coração da Beira Alta que
me viu nascer, fui criado com referências, valores e princípios morais que são
comuns à generalidade das pessoas.
Bem cedo fui confrontado com as dificuldades da
vida.
Ainda jovem, fui chamado a assumir
responsabilidades que não seria suposto arcar com aquela idade.
Trilhei a dureza do caminho que me arrancou à
terra natal para rasgar novos e melhores horizontes.
“Fiz-me à vida”, como hoje se diz.
Era preciso ajudar.
A mim próprio e à família.
Não virei a cara à luta.
Com determinação, empenhamento e muito, muito
sacrifício, fui calcorreando as etapas do meu destino.
Caldeado na força beirã.
Temperamento e vontade.
Coração apertado.
Lágrimas vertidas.
Saudades.
As origens sempre presentes e lembradas.
Fiz-me homem, quase sem ter sido menino.
Carregado de sonhos.
Sonhei com a liberdade e justiça social.
Que Abril prometeu concretizar.
Mas, 39 anos depois, muito do que foi prometido e
jurado cumprir não está realizado.
Estão mais fechadas as portas da esperança que
Abril abriu de par em par.
Vivemos tempos, pessoais e colectivos, de
incerteza e angústia.
A democracia, fundada na liberdade, na justiça,
na igualdade e nos direitos sociais é, sistematicamente, posta em causa.
Como escreveu Drummond de Andrade, recordado por
Manuel Alegre em entrevista recente ao “Público”, hoje “há uma pedra no meio do
caminho e as pessoas tropeçam”.
Antes da madrugada libertadora de 1974, tínhamos
medo do escuro, do “papão”, de filmes de terror e da polícia política.
Hoje, os nossos medos reais resultam deste tempo
em que há um poder absoluto do dinheiro, do império do dinheiro, da ditadura
dos mercados financeiros.
Uma ditadura voraz, que consome pessoas, destrói
povos e arruína nações.
E extingue valores.
Deixámos de acreditar.
Em governos que não cumprem o que prometem.
Em governos que são meros executores de interesses
políticos e económicos de poderosos “conselhos de administrações” instalados no
poder em Bruxelas.
Desgovernos.
Hábeis na utilização do manto diáfano da
manipulação que esconde a verdade.
Excelentes na construção de compadrios políticos.
O passado que julgávamos ter sido erradicado há
39 anos está de regresso.
Voltou a emigração.
Sobretudo dos mais jovens e mais qualificados.
O desemprego é assustador.
As falências de empresas são cada vez em maior
número.
De dia para dia aumenta o fosso entre os que têm
cada vez mais e os que têm cada vez menos.
A fome não é apenas uma ameaça.
A miséria é uma realidade.
Este não é o Abril com que sonhei.
Para mim.
Para os meus filhos.
Que Abril é este que completa agora 39 anos?
É verdade que foram feitos grandes avanços
civilizacionais.
Conquistámos a liberdade de expressão.
Mudámos um ensino que colocava Portugal como um
dos países com mais atraso escolar e cultural.
Mas avançámos tudo o que tínhamos que avançar?
Não.
Muito do que se conquistou está a ser destruído.
O salto que demos em frente corre riscos de se
perder.
O esforço de quem trabalhou e se esforçou uma
vida inteira mostra-se inglório.
E esta Nação multissecular que é a nossa, de que
tanto nos orgulhamos, que deu novos mundos ao mundo, corre o risco sério de
perder a sua soberania.
Quero voltar a comemorar Abril.
Na sua verdadeira essência.
Quero dizer hoje aos meus filhos, amanhã aos meus
netos, que valeu a pena.
Quero ver a minha terra desenvolvida como
prometeram.
Não quero ver políticos a prometer o que sabem
não ir cumprir.
Quero ver os velhinhos da minha aldeia
devidamente apoiados.
Não quero ver pessoas sem assistência médica por
falta de dinheiro.
Quero ver restaurada e respeitada a dignidade das
pessoas.
Não quero ver pobres a dormir nas ruas.
Quero ver as pessoas a usufruírem dos seus
direitos.
Não quero ver pessoas a mendigar comida.
Quero ver a comunidade da minha terra, de portas
abertas, sentada à soleira, nas noites de verão.
Não quero ver grades nas janelas de casas de
pessoas que temem ser assaltadas.
Quero ver reposta a segurança.
Não quero ver libertinagem.
Quero ver liberdade e respeito pelo outro.
Não quero ver políticos hipócritas.
Quero ver governantes com carácter e empenhados
na defesa dos interesses legítimos da população.
Não quero ver apenas executores dos interesses
estrangeiros.
Quero ver de regresso a esperança.
Não quero ver resignação.
Quero ver a honestidade como um valor de que nos
orgulhamos.
Não quero ver a proliferação da mentira.
Quero ver uma gestão séria e criteriosa dos
dinheiros públicos.
Não quero ver os impostos pagos com sacrifício
pelos cidadãos serem desbaratados por incompetentes.
Quero ver julgados e punidos os que desviaram
milhões em proveito pessoal.
Não quero ver a austeridade recair sempre sobre
os mesmos.
Quero ver o meu País ser respeitado no mundo.
Não quero ver os mais poderosos sugarem-nos sem
pudor.
Quero voltar a recordar e a viver Abril.
Quero voltar a ter esperança.
Quero acreditar no meu País.
Quero acreditar num futuro mais justo, mais
fraterno, mais igual.
Quero acreditar na liberdade.
Vasco Rodrigues in gazeta de Sátão abril 2013
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