sexta-feira

Sonho, magia e… desilusão de Natal


Sonho, magia e… desilusão de Natal

Está aí mais um Natal.
Época mágica de união e alegria.
Em que se privilegia os amigos e a família.
Noite de luz e paz.
Comemoração da vida.
Hora de reencontros.
Depois dos desencontros de que é feita a vida.
Confraternização e solidariedade.
Momento único de partilha.
Emoções à solta.
Sensibilidades ao rubro.
Abraços e lágrimas.
Tolerância e perdão.
Redescoberta de nós próprios.
Redefinição de novos rumos para a vida.
É esta a força do Natal.
Que une e é celebrado pelos cristãos.
Pobres e ricos.
À volta de mesas fartas ou simples.
Em palácios ou casas humildes.
Na cidade mais cosmopolita ou na aldeia mais recôndita.
Este é o espírito do Natal que sempre festejámos.
Que nos foi transmitido pelos nossos avós e pais.
E que passámos aos nossos filhos e netos.
Alimentámos o sonho.
Colorimos a ilusão.
Com a estrela.
Com a árvore.
Com os enfeites.
Com as luzes.
E com o presépio.
Símbolo maior deste cenário de magia.

Magia, sonho e ilusão que foram forte e inesperadamente abalados.
Há um mês, durante o lançamento do último livro da trilogia “A infância de Jesus”, o Papa Bento XVI entendeu esclarecer que no sítio onde Jesus nasceu — uma gruta em Belém, onde hoje existe a majestosa Basílica da Natividade — “não havia animais”, afirmação que desde logo retira do presépio as imagens do burro, da vaca e das ovelhas, pondo, assim, um ponto final na imagem construída da chegada do Menino ao mundo popularizada por S. Francisco de Assis, em 1223.
Mas o antigo cardeal Joseph Ratzinger foi mais longe. Disse, também, que a
alegada estrela que conduziu os Reis Magos a Belém não era mais do que uma “supernova”, nome dado aos “corpos celestes resultantes da explosão de estrelas com mais de 10 massas solares” (definição da Wikipédia).
Como se não bastassem estes dois verdadeiros socos nas nossas convicções, o chefe da Igreja Católica, afirmou, ainda, que Cristo terá nascido seis a sete anos antes da data até agora considerada como oficial.
O fim de um mito?
Seguramente, uma enorme desilusão.
Foi, com certeza, para a maioria de todos nós, mais velhos, o fim de um sonho, de uma ilusão, que, como escrevi atrás, alimentámos e colorimos ao longo das nossas vidas.
Não é sem dificuldade que podemos aceitar que figuras míticas integrantes da Sagrada Família ao longo de séculos e de gerações, sejam, de um momento para o outro, afastadas, consideradas menores ou mesmo inexistentes, como diz Bento XVI.
Esta mudança radical da imagem instituída do presépio, que faz parte do imaginário de todos desde sempre, é uma forte machadada nas doutrinas que a Igreja Católica nos ensinou.
Como vamos dizer às crianças, aos nossos filhos e netos, que a partir de agora o presépio que os ensinámos e incentivámos a construir não terá a presença dos animais?
Como cristão e católico entendo que o Papa e a Igreja, nos difíceis tempos que vivemos, têm outras questões bem mais substantivas e importantes para debater e estudar. Em nome da defesa dos verdadeiros “pilares da fé”. Que não são, de todo, a vaca, o burro e as ovelhas presentes no presépio. O pilar da fé cristã é Jesus. Tudo o resto são “faits divers”.
Por isso, no meu presépio, no presépio que mantém viva a magia e a ilusão do Natal no seio da minha família, os animais que terão com o seu bafo aquecido o Menino nascido na manjedoura, estarão presentes. Como sempre. E ponto final.

Vivemos tempos de tremenda angústia. Desesperantes e de desesperança. De receio sobre o que o futuro próximo nos reserva. Daí que a luz do Natal de 2012 terá de ser vista, mais do que nunca, como uma luz forte de esperança. E procurar manter viva a sua chama é o nosso desígnio.
E é em nome dessa esperança que famílias inteiras atravessam países e continentes, com enormes sacrifícios físicos e financeiros, para se juntarem na noite da Consoada. A par da lareira que aquece os corpos, o calor humano da reunião de família aquece as almas nessa noite inigualável, “serena e cheia de luz”.
Recordo, com saudade e emoção, os natais na minha aldeia. Tradicionais e genuínos. Longe dos natais consumistas e desvirtuados dos das grandes metrópoles. Na aldeia, os valores ancestrais da quadra prevalecem. Digerida a ceia, onde o bacalhau é rei, abertos os presentes, mais pobres ou mais ricos, mas todos enfeitados com laços de verdadeira ternura, perante a irrequietude e o olhar fascinado dos mais pequenos e a alegria dos mais velhos, é tempo da comunidade se unir na celebração da Missa do Galo. O povo, em peso, acorre. Uns mais devotos do que outros. Mas todos com a alegria estampada no rosto. É tempo de partilha com os vizinhos e amigos. O Natal ganha, então, mais e verdadeiro sentido.
Façamos deste Natal o Natal mais solidário de sempre. Não esqueçamos os que menos têm e mais precisam. Não esqueçamos quem sofre. Não esqueçamos todos os que não têm Natal. Uma palavra, um gesto podem fazer a diferença.

Através da “Gazeta de Sátão” quero expressar os meus votos de Santo e Feliz Natal.
Ao director do jornal, a todos os seus colaboradores, a todos os que me honram com a leitura das minhas crónicas mensais, aos meus conterrâneos e aos meus Amigos.
E porque esta é a última crónica de 2012, aproveito para expressar, igualmente, votos de um Feliz 2013.
Que o novo ano traga à generalidade dos portugueses, e às gentes da nossa terra em particular, a concretização dos seus mais legítimos sonhos e desejos.
Que seja um ano marcado pela concórdia e vivido por todos com saúde.
Que o desespero dê lugar à tranquilidade.
Que as dificuldades sejam substituídas pela normalidade.
Que Portugal e o seu Povo, a exemplo dos seus bravos navegadores da epopeia das descobertas, consigam dobrar o novo Cabo das Tormentas e aportar, com êxito, num futuro melhor.
Bom Natal!
Bom Ano!

Vasco Rodrigues  

Sem comentários: