Ainda meio atarantado com as medidas de austeridade impostas pelo Governo da coligação PSD/CDS, alinhavo duas ou três notas sobre a semana que deixou Portugal e os portugueses em estado de choque, à beira de um ataque de nervos.
1. Fiquei surpreendido com a notícia do semanário «Expresso» dando conta de que alguns ministros defenderam, em privado, as medidas de austeridade anunciadas pelo Primeiro-Ministro. O argumento para tal defesa foi «simples»: «os funcionários públicos não são a base eleitoral deste governo». Não é nada que não se saiba. É do conhecimento público que a base eleitoral de Passos Coelho é Ângelo Correia; a de Paulo Macedo é a Opus Dei; a do Vítor Gaspar são os colegas de Bruxelas; Mas o que mais surpreendeu nem sequer foi a estupidez média de alguns membros do governo, mas sim o facto de esta chegar ao ponto de se assumir, mesmo que seja em privado. Surpreende , também, a estupidez de um Primeiro-Ministro que ainda não percebeu que foi levado ao colo pelos grupos profissionais mais descontentes do Estado, designadamente, professores e magistrados, grupos de profissionais que ainda devem estar a festejar o facto de serem desprezados pelo governo e ainda ficarem sem subsídios.
2. O Parlamento assistiu a um espectáculo verdadeiramente hilariante: o homem escolhido pelo PSD para a fiscalização das «secretas» percebia tanto do assunto como de lagares de azeite. Vai daí, cometeu a «gaffe» imperdoável a propósito do «período de nojo» de quem sai dos serviços de informação e entra na actividade privada. Vai daí, também, já não vai a parte nenhuma. Um momento hilariante mas igualmente triste.
3. No mesmo dia em que Passos Coelho informou os portugueses de que ia lixar os funcionários públicos para garantir bons resultados nas próximas sondagens, foi publicada a portaria dos subsídios às escolas privadas. O mesmo ministro Crato que retirou os prémios aos melhores alunos aumentou os subsídios por turma às escolas privadas sem lhes exigir melhores resultados. O mesmo Crato que aumentou as turmas da escola pública para 28 alunos admite que, nas escolas privadas, hajam duas turmas com menos de 24 alunos. Isto é, admite que o máximo de alunos seja de 12.
4. O aumento do IVA na restauração é uma medida que prova que o técnico de Bruxelas, ministro Gaspar, não conhece este País. Muitos dos restaurantes que cumprem minimamente com as suas obrigações fiscais vão encerrar e os outros vão pagar ainda menos do que agora com o argumento da perda de clientes. Um argumento verdadeiro, diga-se. O resultado vai ser uma receita inferior à anterior ao aumento do IVA e dezenas de trabalhadores no desemprego. Este ministro das Finanças, apoiado por todo o Governo (em privado, repita-se) quer mandar os portugueses para debaixo da ponte.
5. Voltando ao «ponto 1». Um governante que assume, em privado, que trama com austeridade um grupo social, neste caso os funcionários públicos, porque não são a base eleitoral do seu governo não pode ter outra designação: «revanchista». Que um presidente de uma qualquer Junta de Freguesia leve os velhotes a passear a Fátima, em sinal de agradecimento, é uma coisa. Um Governo concentrar quase toda uma austeridade brutal num pequeno grupo porque não conta com os seus votos é algo de inadmissível.
6. O país ficou a saber que Passos Coelho escolheu as medidas, não em função dos seus alvos eleitorais e que Vítor Gaspar não as avaliou em função do impacto económico, mas sim do impacto eleitoral. Temos um governo com gente pouco séria que se apresenta como portadora de grande competência, mas, que, na privacidade dos seus gabinetes, comportam-se ao mais baixo nível.
Agora foram os funcionários públicos.
Amanhã serão os agricultores que não votaram no CDS a serem excluídos dos subsídios do FEOGA.
Depois serão os empresários que não se manifestem a favor de Passos Coelho que não serão apoiados pelo AICEP.
Mais tarde serão os militantes da oposição a serem excluídos dos concursos públicos.
Quem votou CDS ou PSD terá direito aos favores do Estado e a uma economia sem austeridade, quem não vota nos partidos do governo serão socialmente excluídos.
É esta a realidade deste Governo que se apresentou como diferente do liderado pelo malfadado Sócrates.
7. À medida que os dias passam, vão conhecendo-se, pormenorizadamente, as medidas colossais e brutais de austeridade imposta pelo Governo. Que vão muito para além das «desenhadas» pela Troika. O País e os portugueses, repito, ficaram em estado de choque. O País e os portugueses ficaram com um presente angustiante. E, mais certo, é terem perdido definitivamente o futuro.
As manifestações de «indignação» realizadas em todo o País mostraram bem o sentir e o pulsar da sociedade civil. Os portugueses vivem sufocados, asfixiados. Os mais jovens, os nossos filhos, vêem desmoronar-se os sonhos e os ideais. E a esperança de um amanhã melhor. A que têm pleno direito.
E, definitivamente, não se diga que é resultado da «herança pesada» deixada pelo Governo de Sócrates. Este terá sido determinante na loucura dos gastos, do endividamento, mas todos os outros que o antecederam têm responsabilidades no cartório. Até Cavaco Silva… Este duplamente: enquanto Primeiro-Ministro com maiorias e, agora, como Presidente da República.
in gazeta de Sátão- Vasco Rodrigues
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