sábado

Reflexões num Verão que está a ser «pouco famoso»!


 O Verão já vai em mais de meio e teima em estar longe de outros tempos. De outros verões. Está a ser um Verão «pouco famoso», como diz o povo. Sinal também dos (maus e difíceis) tempos que vivemos. Esta crónica é feita de pequenas reflexões que têm entre si um denominador comum: o que é, quem é e porque é que se é famoso. Porque, Amigos leitores, nem tudo o que parece é!

Pelas piores razões que, num dos casos, foram mesmo trágicas, dois ditos «famosos» (com aspas) tiveram um desmesurado protagonismo na generalidade da comunicação social e fizeram parte das conversas entre a maioria da sociedade portuguesa. Referimo-nos, em concreto, à actriz Sónia Brasão e ao cantor/actor Angélico Vieira. 
Os acontecimentos, por tão recentes, são de todos conhecidos. Sónia Brasão foi vítima de uma explosão no seu apartamento. As causas do alegado acidente ainda não estão definitivamente apuradas. Há suspeitas diversas, uma delas aponta mesmo para a directa responsabilidade da actriz, isto é, atribui-lhe a autoria do que, a confirmar-se, foi um crime.
No caso que envolveu e custou a vida a Angélico Vieira, a investigação em curso também ainda não chegou a uma conclusão inequívoca. Comenta-se, especula-se, rasgam-se cenários hipotéticos, mas, em rigor, não há certezas sobre a razão do acidente de viação que, para além do cantor/actor, também causou a morte a um seu amigo, e atirou para a cama de um hospital, com ferimentos de tremenda gravidade, uma jovem que os acompanhava e que ainda se encontra a recuperar.
Habituados a viver sob as luzes da ribalta artística, Sónia e Angélico, na hora da desgraça, continuaram a ter sobre si os focos tas televisões, os flashes dos repórteres fotográficos e uma imensidão de jornalistas que abriram telejornais e encheram páginas e páginas de jornais e revistas «cor-de-rosa». Porque são «famosos». Mas… «famosos» (com aspas) porquê?
«Famosos» (com aspas) por simplesmente exercerem actividades profissionais que a comunicação social mediatiza? É curto! Só num País pequenino, que cultive a subserviência e o «basbaque» uma e outro podem ser chamados de «famosos» (com aspas). Porque, por feitos cometidos, não conquistaram o direito a tal estatuto.
Mas enquanto estes «famosos» (com aspas) concentraram (e ainda concentram) as atenções, diversas outras vítimas «colaterais» dos mesmos acidentes foram e continuam mergulhadas no mais profundo esquecimento. Porque são pessoas anónimas? Certamente. O que não deixa de ser tremendamente injusto. Já alguém viu e ouviu Sónia Brasão, por exemplo, dar uma palavra de solidariedade a todos os vizinhos que sofreram prejuízos enormes em resultado da explosão no seu apartamento? Ninguém. O que é lamentável!
O mesmo poderá ser dito em relação ao anonimato que cobriu a morte de um dos passageiros da viatura conduzida por Angélico e da referida jovem que continua a lutar pela vida.
Só valores e princípios de vida invertidos puderam transformar Sónia Brasão, Angélico Vieira e tantos e tantos outros personagens das suas áreas de actividade em gente «famosa» (com aspas). Gente que nunca deu nada de relevante ao País. Gente que nunca soube o que foi trabalhar em condições difíceis, em suportar adversidades. São «famosos»… mas muito pouco!

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Entretida com os «famosos» (com aspas), a comunicação social, vergonhosamente, quase passou ao lado da morte de um empresário (81 anos) que deu ao País um forte contributo para o seu desenvolvimento económico e empregou milhares de portugueses. Refiro-me a Salvador Caetano. Este, sim, um Homem verdadeiramente digno de ser considerado famoso (sem aspas).
Filho de uma família pobre, não pôde estudar para além da (antiga) 4.ª classe. Com 11 anos de idade, foi obrigado a entrar no mundo do trabalho. Como pintor numa oficina de automóveis. Comeu, como diz o povo, «o pão que o Diabo amassou». A pulso, sem nunca se pôr em bicos de pés, de forma discreta, Salvador Caetano teve uma vida de trabalho que o levou a construir um império com mais de meia centena de empresas que, ainda hoje, se mantêm como uma importante referência da indústria nacional. A entrada da «Toyota» em Portugal foi a «jóia da coroa empresarial. 
Raramente aparecia nas televisões ou nos jornais. Não frequentava a vida «glamourosa» do chamado «jet-set». O trabalho e a família eram as suas paixões)!   
Um exemplo para os «famosos» (com aspas)!

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Mas, felizmente, Portugal tem alguns filhos verdadeiramente famosos (sem aspas). Gente que honra a Pátria e ilustra a capacidade de um povo que foi capaz de desbravar caminhos e dar novos mundos ao Mundo. E o seu trabalho, feito quase em silêncio, longe dos olhares de uma comunicação social empenhada em promover «famosos» (com aspas) «de trazer por casa», passa quase despercebido., Como aconteceu com Cláudia Almeida, 35 anos de idade, investigadora no Instituto Curie, em Paris, que acabou recentemente de descobrir um novo mecanismo de regulação do tráfego de proteínas dentro das células do corpo humano que poderá ajudar no tratamento do cancro ou da doença de Alzheimer.
Licenciada em Bioquímica pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, doutorou-se em Nova Iorque. Trabalha, como já referi, em Paris, num dos mais importantes institutos de investigação mundiais. Poucos serão os portugueses que conheciam o seu nome ou a sua cara. Porque não é «famosa» (com aspas)? Claro! Porque os verdadeiramente famosos (sem aspas) cultivam a discrição e o recato. Esta jovem portuguesa, que desenvolve um trabalho de transcendente importância para a humanidade, é um outro grande exemplo para os «famosos» (com aspas).

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Mês de férias por excelência, Agosto traz de volta ao País, os nossos emigrantes. Carregados de saudades da sua «ditosa e amada Pátria», como escreveu Camões. À sua espera a família. De braços abertos. Para um abraço forte e um beijo cheio de ternura. Tudo misturado com uma lágrima ao canto do olho. De alegria. As aldeias natais «acordam» de uma letargia feita de um ano de isolamento, de silêncio, de solidão. Renascem. Rejuvenescem. E «vestem-se de gala» para receber aqueles que, lá por fora, na «estranja», com esforço, sacrifício e muita dor de alma, ganham o dinheiro que, ironicamente, acaba por ajudar o «PIB» de um País que tão mal os trata, que tanto os esquece.
Por todo o lado, de Norte a Sul, sucedem-se festas e romarias. Mais pagãs ou mais cristãs. Tudo é pretexto para o convívio fraternal de pessoas que, não sendo famosas (sem aspas) são um exemplo de trabalho e de preservação de valores, princípios e referências de vida que desde sempre tornaram os portugueses num povo maior.
São 30 dias de alegria. E muito calor humano. Em breve, será novo regresso aos países que os acolheram. E lhes deram a oportunidade de vida que o seu próprio país lhes negou. A viagem será mais dolorosa. E feita de olhos molhados. Levarão nas malas cheiros e sabores das suas terras. Pedaços da sua inigualável identidade. E o coração cheio de uma esperança imensa de que, para o ano, com crise ou sem ela, voltarão. Porque aqui é o seu berço.
Nós ficamos à sua espera!

Vasco Rodrigues

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